terça-feira, 19 de abril de 2011

O fim dos tempos na visão espirita







FINAL DOS TEMPOS - JUÍZO FINAL
- Também ouvireis falar de guerra e de rumores de guerra; tratai de não vos perturbardes, porquanto é preciso que essas coisas se dêem; mas, ainda não será o fim - pois ver-se-á povo levantar-se contra povo e reino contra reino; e haverá pestes, fomes e tremores de terra em diversos lugares - todas essas coisas serão apenas o começo das dores. (S. Mateus, cap. XXIV, vv. 6 a 8.)
- Então, o irmão entregará o irmão para ser morto; os filhos se levantarão contra seus pais e suas mães e os farão morrer. - Sereis odiados de toda a gente por causa do meu nome; mas, aquele que perseverar até ao fim será salvo. (S. Marcos, cap. XIII, vv. 12 e 13.)
- Quando virdes que a abominação da desolação, que foi predita pelo profeta Daniel, está no lugar santo (que aquele que lê entenda bem o que lê); - fujam então para as montanhas os que estiverem na Judéia (1); - não desça aquele que estiver no telhado, para levar de sua casa qualquer coisa; - e não volte para apanhar suas roupas aquele que estiver no campo. - Mas, ai das mulheres que estiverem grávidas ou amamentando nesses dias. - Pedi a Deus que a vossa fuga não se dê durante o inverno, nem em dia de sábado - porquanto a aflição desse tempo será tão grande, como ainda não houve igual desde o começo do mundo até o presente e como nunca mais haverá. - E se esses dias não fossem abreviados, nenhum homem se salvaria; mas esses dias serão abreviados em favor dos eleitos. (São Mateus, cap. XXIV, vv. 15 a 22.)
- Logo depois desses dias de aflição, o Sol se obscurecerá e a Lua deixará de dar sua luz; as estrelas cairão do céu e as potestades dos céus serão abaladas. Então, o sinal do Filho do homem aparecerá no céu e todos os povos da Terra estarão em prantos e em gemidos e verão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do céu com grande majestade. Ele enviará seus anjos, que farão ouvir a voz retumbante de suas trombetas e que reunirão seus eleitos dos quatro cantos do mundo, de uma extremidade a outra do céu.
Aprendei uma comparação tirada da figueira. Quando seus ramos já estão tenros e dão folhas, sabeis que está próximo o estio. - Do mesmo modo quando virdes todas essas coisas, sabei que vem próximo o Filho do homem, que ele se acha como que à porta.
Digo-vos, em verdade, que esta raça não passará, sem que todas essas coisas se tenham cumprido. (S. Mateus, cap. XXIV, vv. 29 a 34.)
E acontecerá no advento do Filho do homem o que aconteceu ao tempo de Noé - pois, como nos últimos tempos antes do dilúvio, os homens comiam e bebiam, se casavam e casavam seus filhos, até ao dia em que Noé entrou na arca; - e assim como eles não conheceram o momento do dilúvio, senão quando este sobreveio e arrebatou toda a gente, assim também será no advento do Filho do homem. (São Mateus, cap. XXIV, vv. 37 a 39.)
- Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém o sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, mas somente o Pai. (S. Marcos, cap. XIII, v. 32.)
- Em verdade, em verdade vos digo: chorareis e gemereis, e o mundo se rejubilará; estareis em tristeza, mas a vossa tristeza se mudará em alegria. - Uma mulher, quando dá à luz, está em dor, porque é vinda a sua hora; mas depois que ela dá à luz um filho, não mais se lembra de todos os males que sofreu, pela alegria que experimenta de haver posto no mundo um homem. - É assim que agora estais em tristeza; mas, eu vos verei de novo e o vosso coração rejubilará e ninguém vos arrebatará a vossa alegria. (S. João, cap. XVI, vv. 20 a 22.)
- Levantar-se-ão muitos falsos profetas que seduzirão a muitas pessoas; - e, porque abundará a iniqüidade, a caridade de muitos esfriará; - mas, aquele que perseverar até o fim será salvo. - E este Evangelho do reino será pregado em toda a Terra, para servir de testemunho a todas as nações. É então que o fim chegará. (S. Mateus, cap. XXIV, vv. 11 a 14.) 
ALLAN KARDEC - É evidentemente alegórico este quadro do fim dos tempos, como a maioria dos que Jesus compunha. Pelo seu vigor, as imagens que ele encerra são de natureza a impressionar inteligências ainda rudes. Para tocar fortemente aquelas imaginações pouco sutis, eram necessárias pinturas vigorosas, de cores bem acentuadas. Ele se dirigia principalmente ao povo, aos homens menos esclarecidos, incapazes de compreender as abstrações metafísicas e de apanhar a delicadeza das formas. A fim de atingir o coração, fazia-se-lhe mister falar aos olhos, com o auxílio de sinais materiais, e aos ouvidos, por meio da força da linguagem.
Como conseqüência natural daquela disposição de espírito, à suprema potestade, segundo a crença de então, não era possível manifestar-se, a não ser por meio de fatos extraordinários, sobrenaturais. Quanto mais impossíveis fossem esses fatos, tanto mais facilmente aceita era a probabilidade deles.
O Filho do homem, a vir sobre nuvens, com grande majestade, cercado de seus anjos e ao som de trombetas, lhes parecia de muito maior imponência, do que a simples vinda de uma entidade investida apenas de poder moral. Por isso mesmo, os judeus, que esperavam no Messias um rei terreno, mais poderoso do que todos os outros reis, destinado a colocar-lhes a nação à frente de todas as demais e a reerguer o trono de David e de Salomão, não quiseram reconhecê-lo no humilde filho de um carpinteiro, sem autoridade material. No entanto, aquele pobre proletário da Judéia se tornou o maior entre os grandes; conquistou para a sua soberania maior número de reinos, do que os mais poderosos potentados; exclusivamente com a sua palavra e o concurso de alguns miseráveis pescadores, revolucionou o mundo e a ele é que os judeus virão a dever sua reabilitação. Disse, pois, uma verdade, quando, respondendo a esta pergunta de Pilatos: «És rei?» respondeu: «Tu o dizes.»
- É de notar-se que, entre os antigos, os tremores de terra e o obscurecimento do Sol eram acessórios forçados de todos os acontecimentos e de todos os presságios sinistros. Com eles deparamos, por ocasião da morte de Jesus, da de César e num sem-número de outras circunstâncias da história do paganismo. Se tais fenômenos se houvessem produzido tão amiudadas vezes quantas são relatados, fora de ter-se por impossível que os homens não houvessem guardado deles lembrança pela tradição. Aqui, acrescenta-se a queda de estrelas do céu, como que a mostrar às gerações futuras, mais esclarecidas, que não há nisso senão uma ficção, pois que agora se sabe que as estrelas não podem cair. 
Entretanto, sob essas alegorias, grandes verdades se ocultam. Há, primeiramente, a predição das calamidades de todo gênero que assolarão e dizimarão a Humanidade, calamidades decorrentes da luta suprema entre o bem e o mal, entre a fé e a incredulidade, entre as idéias progressistas e as idéias retrógradas. Há, em segundo lugar, a da difusão, por toda a Terra, do Evangelho restaurado na sua pureza primitiva; depois, a do reinado do bem, que será o da paz e da fraternidade universais, a derivar do código de moral evangélica, posto em prática por todos os povos.
Será, verdadeiramente, o reino de Jesus, pois que ele presidirá à sua implantação, passando os homens a viver sob a égide da sua lei. Será o reinado da felicidade, porquanto diz ele que - «depois dos dias de aflição, virão os de alegria».
- Quando sucederão tais coisas? «Ninguém o sabe, diz Jesus, nem mesmo o Filho.» Mas, quando chegar o momento, os homens serão advertidos por meio de sinais precursores. Esses indícios, porém, não estarão nem no Sol, nem nas estrelas; mostrar-se-ão no estado social e nos fenômenos mais de ordem moral do que físicos e que, em parte, se podem deduzir das suas alusões.
É indubitável que aquela mutação não poderia operar-se em vida dos apóstolos, pois, do contrário, Jesus não lhe desconheceria o momento. Aliás, semelhante transformação não era possível se desse dentro de apenas alguns anos. Contudo, dela lhes fala como se eles a houvessem de presenciar; é que, com efeito, eles poderão estar reencarnados quando a transformação se der e, até, colaborar na sua efetivação. Ele ora fala da sorte próxima de Jerusalém, ora toma esse fato por ponto de referência ao que ocorreria no futuro.
- Será que, predizendo a sua segunda vinda, era o fim do mundo o que Jesus anunciava, dizendo: «Quando o Evangelho for pregado por toda a Terra, então é que virá o fim?» Não é racional se suponha que Deus destrua o mundo precisamente quando ele entre no caminho do progresso moral, pela prática dos ensinos evangélicos. Nada, aliás, nas palavras do Cristo, indica uma destruição universal que, em tais condições, não se justificaria.
Devendo a prática geral do Evangelho determinar grande melhora no estado moral dos homens, ela, por isso mesmo, trará o reinado do bem e acarretará a queda do mal. É, pois, o fim do mundo velho, do mundo governado pelos preconceitos, pelo orgulho, pelo egoísmo, pelo fanatismo, pela incredulidade, pela cupidez, por todas as paixões pecaminosas, que o Cristo aludia, ao dizer: «Quando o Evangelho for pregado por toda a Terra, então é que virá o fim.» Esse fim, porém, para chegar, ocasionaria uma luta e é dessa luta que advirão os males por ele previstos.
O JUÍZO FINAL
- Ora, quando o Filho do homem vier em sua majestade, acompanhado de todos os anjos, assentar-se-á no trono de sua glória; - e, reunidas à sua frente todas as nações, ele separará uns dos outros, como um pastor separa dos bodes as ovelhas, e colocará à sua direita as ovelhas e à sua esquerda os bodes. - Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, etc. (São Mateus, cap. XXV, vv. 31 a 46. - O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XV.)
ALLAN KARDEC - Tendo que reinar na Terra o bem, necessário é sejam dela excluídos os Espíritos endurecidos no mal e que possam acarretar-lhe perturbações. Deus permitiu que eles aí permanecessem o tempo de que precisavam para se melhorarem; mas, chegado o momento em que, pelo progresso moral de seus habitantes, o globo terráqueo tem de ascender na hierarquia dos mundos, interdito será ele, como morada, a encarnados e desencarnados que não hajam aproveitado os ensinamentos que uns e outros se achavam em condições de aí receber. Serão exilados para mundos inferiores, como o foram outrora para a Terra os da raça adâmica, vindo substituí-los Espíritos melhores. Essa separação, a que Jesus presidirá, é que se acha figurada por estas palavras sobre o juízo final: «Os bons passarão à minha direita e os maus à minha esquerda.» (Cap. XI, nos 31 e seguintes.)
- A doutrina de um juízo final, único e universal, pondo fim para sempre à Humanidade, repugna à razão, por implicar a inatividade de Deus, durante a eternidade que precedeu à criação da Terra e durante a eternidade que se seguirá à sua destruição. Que utilidade teriam então o Sol, a Lua e as estrelas que, segundo a Gênese, foram feitos para iluminar o mundo? Causa espanto que tão imensa obra se haja produzido para tão pouco tempo e a beneficio de seres votados de antemão, em sua maioria, aos suplícios eternos.
- Materialmente, a idéia de um julgamento único seria, até certo ponto, admissível para os que não procuram a razão das coisas, quando se cria que a Humanidade toda se achava concentrada na Terra e que para seus habitantes fora feito tudo o que o Universo contém. É, porém, inadmissível, desde que se sabe que há milhares de milhares de mundos semelhantes, que perpetuam as Humanidades pela eternidade em fora e entre os quais a Terra é dos menos consideráveis, simples ponto imperceptível.
Vê-se, só por este fato, que Jesus tinha razão de declarar a seus discípulos: «Há muitas coisas que não vos posso dizer, porque não as compreenderíeis», dado que o progresso das ciências era indispensável para uma interpretação legítima de algumas de suas palavras. Certamente, os apóstolos, S. Paulo e os primeiros discípulos teriam estabelecido de modo muito diverso alguns dogmas se tivessem os conhecimentos astronômicos, geológicos, físicos, químicos, fisiológicos e psicológicos que hoje possuímos. Daí vem o ter Jesus adiado a finalização de seus ensinos e anunciado que todas as coisas haviam de ser restabelecidas.
- Moralmente, um juízo definitivo e sem apelação não se concilia com a bondade infinita do Criador, que Jesus nos apresenta de contínuo como um bom Pai, que deixa sempre aberta uma senda para o arrependimento e que está pronto sempre a estender os braços ao filho pródigo. Se Jesus entendesse o juízo naquele sentido, desmentiria suas próprias palavras. Ao demais, se o juízo final houvesse de apanhar de improviso os homens, em meio de seus trabalhos ordinários, e grávidas as mulheres, caberia perguntar-se com que fim Deus, que não faz coisa alguma inútil ou injusta, faria nascessem crianças e criaria almas novas naquele momento supremo, no termo fatal da Humanidade. Seria para submetê-las a julgamento logo ao saírem do ventre materno, antes de terem consciência de si mesmas, quando, a outros, milhares de anos foram concedidos para se inteirarem do que respeita à própria individualidade? Para que lado, direito ou esquerdo, iriam essas almas, que ainda não são nem boas nem más e para as quais, no entanto, todos os caminhos de ulterior progresso se encontrariam desde então fechados, visto que a Humanidade não mais existiria? (Cap. II, nº 19.) Conservem-nas os que se contentam com semelhantes crenças; estão no seu direito e ninguém nada tem que dizer a isso; mas, não achem mau que nem toda gente partilhe delas.
- O juízo, pelo processo da emigração, conforme ficou explicado acima (nº 63), é racional; funda-se na mais rigorosa justiça, visto que conserva para o Espírito, eternamente, o seu livre-arbítrio; não constitui privilégio para ninguém; a todas as suas criaturas, sem exceção alguma, concede Deus igual liberdade de ação para progredirem; o próprio aniquilamento de um mundo, acarretando a destruição do corpo, nenhuma interrupção ocasionará à marcha progressiva do Espírito. Tais as conseqüências da pluralidade dos mundos e da pluralidade das existências.
Segundo essa interpretação, não é exata a qualificação de juízo final, pois que os Espíritos passam por análogas fieiras a cada renovação dos mundos por eles habitados, até que atinjam certo grau de perfeição. Não há, portanto, juízo final propriamente dito, mas juízos gerais em todas as épocas de renovação parcial ou total da população dos mundos, por efeito das quais se operam as grandes emigrações e imigrações de Espíritos.


SÃO CHEGADOS OS TEMPOS
ALLAN KARDEC - São chegados os tempos, dizem-nos de todas as partes, marcados por Deus, em que grandes acontecimentos se vão dar para regeneração da Humanidade. Em que sentido se devem entender essas palavras proféticas? Para os incrédulos, nenhuma importância têm; aos seus olhos, nada mais exprimem que uma crença pueril, sem fundamento. Para a maioria dos crentes, elas apresentam qualquer coisa de místico e de sobrenatural, parecendo-lhes prenunciadoras da subversão das leis da Natureza. São igualmente errôneas ambas essas interpretações; a primeira, porque envolve uma negação da Providência; a segunda, porque tais palavras não anunciam a perturbação das leis da Natureza, mas o cumprimento dessas leis.
- Tudo na criação é harmonia; tudo revela uma previdência que não se desmente, nem nas menores, nem nas maiores coisas. Temos, pois, que afastar, desde logo, toda idéia de capricho, por inconciliável com a sabedoria divina. Em segundo lugar, se a nossa época esta designada para a realização de certas coisas, é que estas têm uma razão de ser na marcha do conjunto. Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, esta submetido à lei do progresso. Ele progride, fisicamente, pela transformação dos elementos que o compõem e, moralmente, pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Ambos esses progressos se realizam paralelamente, porquanto o melhoramento da habitação guarda relação com o do habitante. Fisicamente, o globo terráqueo há experimentado transformações que a Ciência tem comprovado e que o tornaram sucessivamente habitável por seres cada vez mais aperfeiçoados. Moralmente, a Humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que o melhoramento do globo se opera sob a ação das forças materiais, os homens para isso concorrem pelos esforços de sua inteligência. Saneiam as regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações e mais produtiva a terra.
De duas maneiras se executa esse duplo progresso: uma, lenta, gradual e insensível; a outra, caracterizada por mudanças bruscas, a cada uma das quais corresponde um movimento ascensional mais rápido, que assinala, mediante impressões bem acentuadas, os períodos progressivos da Humanidade. Esses movimentos, subordinados, quanto às particularidades, ao livre-arbítrio dos homens, são, de certo modo, fatais em seu conjunto, porque estão sujeitos a leis, como os que se verificam na germinação, no crescimento e na maturidade das plantas. Por isso é que o movimento progressivo se efetua, às vezes, de modo parcial, isto é, limitado a uma raça ou a uma nação, doutras vezes, de modo geral.
O progresso da Humanidade se cumpre, pois, em virtude de uma lei. Ora, como todas as leis da Natureza são obra eterna da sabedoria e da presciência divinas, tudo o que é efeito dessas leis resulta da vontade de Deus, não de uma vontade acidental e caprichosa, mas de uma vontade imutável. Quando, por conseguinte, a Humanidade está madura para subir um degrau, pode dizer-se que são chegados os tempos marcados por Deus, como se pode dizer também que, em tal estação, eles chegam para a maturação dos frutos e sua colheita.
- Do fato de ser inevitável, porque é da natureza o movimento progressivo da Humanidade, não se segue que Deus lhe seja indiferente e que, depois de ter estabelecido leis, se haja recolhido à inação, deixando que as coisas caminhem por si sós. Sem dúvida, suas leis são eternas e imutáveis, mas porque a sua própria vontade é eterna e constante e porque o seu pensamento anima sem interrupção todas as coisas. Esse pensamento, que em tudo penetra, é a força inteligente e permanente que mantém a harmonia em tudo. Cessasse ele um só instante de atuar e o Universo seria como um relógio sem pêndulo regulador. Deus, pois, vela incessantemente pela execução de suas leis e os Espíritos que povoam o espaço são seus ministros, encarregados de atender aos pormenores, dentro de atribuições que correspondem ao grau de adiantamento que tenham alcançado.
- O Universo é, ao mesmo tempo, um mecanismo incomensurável, acionado por um número incontável de inteligências, e um imenso governo em o qual cada ser inteligente tem a sua parte de ação sob as vistas do soberano Senhor, cuja vontade única mantém por toda parte a unidade. Sob o império dessa vasta potência reguladora, tudo se move, tudo funciona em perfeita ordem. Onde nos parece haver perturbações, o que há são movimentos parciais e isolados, que se nos afiguram irregulares apenas porque circunscrita é a nossa visão. Se lhes pudéssemos abarcar o conjunto, veríamos que tais irregularidades são apenas aparentes e que se harmonizam com o todo.
- A Humanidade tem realizado, até ao presente, incontestáveis progressos. Os homens, com a sua inteligência, chegaram a resultados que jamais haviam alcançado, sob o ponto de vista das ciências, das artes e do bem-estar material. Resta-lhes ainda um imenso progresso a realizar: o de fazerem que entre si reinem a caridade, a fraternidade, a solidariedade, que lhes assegurem o bem-estar moral. Não poderiam consegui-lo nem com as suas crenças, nem com as suas instituições antiquadas, restos de outra idade, boas para certa época, suficientes para um estado transitório, mas que, havendo dado tudo o que comportavam, seriam hoje um entrave. Já não é somente de desenvolver a inteligência o de que os homens necessitam, mas de elevar o sentimento e, para isso, faz-se preciso destruir tudo o que superexcite neles o egoísmo e o orgulho.
Tal o período em que doravante vão entrar e que marcará uma das fases principais da vida da Humanidade. Essa fase, que neste momento se elabora, é o complemento indispensável do estado precedente, como a idade viril o é da juventude. Ela podia, pois, ser prevista e predita de antemão e é por isso que se diz que são chegados os tempos determinados por Deus.
- Nestes tempos, porém, não se trata de uma mudança parcial, de uma renovação limitada a certa região, ou a um povo, a uma raça. Trata-se de um movimento universal, a operar-se no sentido do progresso moral. Uma nova ordem de coisas tende a estabelecer-se, e os homens, que mais opostos lhe são, para ela trabalham a seu mau grado. A geração futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, se achará possuída de idéias e de sentimentos muito diversos dos da geração presente, que se vai a passo de gigante. O velho mundo estará morto e apenas viverá na História, como o estão hoje os tempos da Idade Média, com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas.
Aliás, todos sabem quanto ainda deixa a desejar a atual ordem de coisas. Depois de se haver, de certo modo, considerado todo o bem-estar material, produto da inteligência, logra-se compreender que o complemento desse bem estar somente pode achar-se no desenvolvimento moral. Quanto mais se avança, tanto mais se sente o que falta, sem que, entretanto, se possa ainda definir claramente o que seja: é isso efeito do trabalho íntimo que se opera em prol da regeneração. Surgem desejos, aspirações, que são como que o pressentimento de um estado melhor.
- Mas, uma mudança tão radical como a que se está elaborando não pode realizar-se sem comoções. Há, inevitavelmente, luta de idéias. Desse conflito forçosamente se originarão passageiras perturbações, até que o terreno se ache aplanado e restabelecido o equilíbrio. É, pois, da luta das idéias que surgirão os graves acontecimentos preditos e não de cataclismos ou catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais foram conseqüência do estado de formação da Terra. Hoje, não são mais as entranhas do planeta que se agitam: são as da Humanidade.
- Se a Terra já não tem que temer os cataclismos gerais, nem por isso deixa de estar sujeita a periódicas revoluções, cujas causas, do ponto de vista científico, se encontram explicadas nas instruções seguintes, promanantes de dois Espíritos eminentes: (1) «Cada corpo celeste, além das leis simples que presidem à divisão dos dias e das noites, das estações, etc., experimenta revoluções que demandam milhares de séculos para sua realização completa, porém que, como as revoluções mais breves, passam por todos os períodos, desde o de nascimento até o de um máximo de efeito, após o qual há decrescimento, até o limite extremo, para recomeçar em seguida o percurso das mesmas fases. «O homem apenas apreende as fases de duração relativamente curta e cuja periodicidade ele pode comprovar. Algumas, no entanto, há que abrangem longas gerações de seres e, até, sucessões de raças, revoluções essas cujos efeitos, conseguintemente, se lhe apresentam com caráter de novidade e de espontaneidade, ao passo que, se seu olhar pudesse projetar-se para trás alguns milhares de séculos, veria, entre aqueles mesmos efeitos e suas causas, uma correlação de que nem sequer suspeita. Esses períodos que, pela sua extensão relativa, confundem a imaginação dos humanos, não são, contudo, mais do que instantes na duração eterna.
«Num mesmo sistema planetário, todos os corpos que o constituem reagem uns sobre os outros; todas as influências físicas são nele solidárias e nem um só há, dos efeitos que designais pelo nome de grandes perturbações, que não seja conseqüência da componente das influências de todo o sistema. «Vou mais longe: digo que os sistemas planetários reagem uns sobre os outros, na razão da proximidade ou do afastamento resultantes do movimento de translação deles, através das miríades de sistemas que compõem a nossa nebulosa. Ainda vou mais longe: digo que a nossa nebulosa, que é um como arquipélago na imensidade, tendo também seu movimento de translação através das miríades de nebulosas, sofre a influência das de que ela se aproxima. «De sorte que as nebulosas reagem sobre as nebulosas, os sistemas reagem sobre os sistemas, como os planetas reagem sobre os planetas, como os elementos de cada planeta reagem uns sobre os outros e assim sucessivamente até ao átomo. Daí, em cada mundo, revoluções locais ou gerais, que não parecem perturbações porque a brevidade da vida não permite se lhes percebam mais do que os efeitos parciais. «A matéria orgânica não poderia escapar a essas influências; as perturbações que ela sofre podem, pois, alterar o estado físico dos seres vivos e determinar algumas dessas enfermidades que atacam de modo geral as plantas, os animais e os homens, enfermidades que, como todos os flagelos, são, para a inteligência humana, um estimulante que a impele, por forca da necessidade, a procurar meios de os combater e a descobrir leis da Natureza.
«Mas a matéria orgânica, a seu turno, reage sobre o Espírito. Este, pelo seu contacto e sua ligação íntima com os elementos materiais, também sofre influências que lhe modificam as disposições, sem, no entanto, privá-lo do livre arbítrio, que lhe sobreexcitam ou atenuam a atividade e que, pois, contribuem para o seu desenvolvimento. A efervescência que por vezes se manifesta em toda uma população, entre os homens de uma mesma raça, não é coisa fortuita, nem resultado de um capricho; tem sua causa nas leis da Natureza. Essa efervescência, inconsciente a princípio, não passando de vago desejo, de aspiração indefinida por alguma coisa melhor, de certa necessidade de mudança, traduz-se por uma surda agitação, depois por atos que levam às revoluções sociais, que, acreditai-o, também têm sua periodicidade, como as revoluções físicas, pois que tudo se encadeia. Se não tivésseis a visão espiritual limitada pelo véu da matéria, veríeis as correntes fluídicas que, como milhares de fios condutores, ligam as coisas do mundo espiritual às do mundo material.
«Quando se vos diz que a Humanidade chegou a um período de transformação e que a Terra tem que se elevar na hierarquia dos mundos, nada de místico vejais nessas palavras; vede, ao contrário, a execução da uma das grandes leis fatais do Universo, contra as quais se quebra toda a má-vontade humana. ARAGO.»
- Sim, decerto, a Humanidade se transforma, como já se transformou noutras épocas, e cada transformação se assinala por uma crise que é, para o gênero humano, o que são, para os indivíduos, as crises de crescimento. Aquelas se tornam, muitas vezes, penosas, dolorosas, e arrebatam consigo as gerações e as instituições, mas, são sempre seguidas de uma fase de progresso material e moral.
«A Humanidade terrestre, tendo chegado a um desses períodos de crescimento, está em cheio, há quase um século, no trabalho da sua transformação, pelo que a vemos agitar-se de todos os lados, presa de uma espécie de febre e como que impelida por invisível força. Assim continuará, até que se haja outra vez estabilizado em novas bases. quem a observar, então, achá-la-á muito mudada em seus costumes, em seu caráter, nas suas leis, em suas crenças, numa palavra: em todo o seu estado social.
«Uma coisa que vos parecerá estranhável, mas que por isso não deixa de ser rigorosa verdade, é que o mundo dos Espíritos, mundo que vos rodeia, experimenta o contrachoque de todas as comoções que abalam o mundo dos encarnados. Digo mesmo que aquele toma parte ativa nessas comoções. Nada tem isto de surpreendente, para quem sabe que os Espíritos fazem corpo com a Humanidade; que eles saem dela e a ela têm de voltar, sendo, pois, natural se interessem pelos movimentos que se operam entre os homens. Ficai, portanto, certos de que, quando uma revolução social se produz na Terra, abala igualmente o mundo invisível, onde todas as paixões, boas e más, se exacerbam, como entre vós. Indizível efervescência entra a reinar na coletividade dos Espíritos que ainda pertencem ao vosso mundo e que aguardam o momento de a ele volver.
«À agitação dos encarnados e desencarnados se juntam às vezes, e freqüentemente mesmo, já que tudo se conjuga em a Natureza, as perturbações dos elementos físicos. Dá-se então, durante algum tempo, verdadeira confusão geral, mas que passa como furacão, após o qual o céu volta a estar sereno, e a Humanidade, reconstituída sobre novas bases, imbuída de novas idéias, começa a percorrer nova etapa de progresso.
«É no período que ora se inicia que o Espiritismo florescerá e dará frutos. Trabalhais, portanto, mais para o futuro, do que para o presente. Era, porém, necessário que esses trabalhos se preparassem antecipadamente, porque eles traçam as sendas da regeneração, pela unificação e racionalidade das crenças.
Ditosos os que deles aproveitam desde já. Tantas penas se pouparão esses, quantos forem os proveitos que deles aufiram. Doutor BARRY.»
- Do que precede resulta que, em conseqüência do movimento de translação que executam no espaço, os corpos celestes exercem, uns sobre os outros, maior ou menor influência, conforme a proximidade em que se achem entre si e as suas respectivas posições; que essa influência pode acarretar uma perturbação momentânea aos seus elementos constitutivos e modificar as condições de vitalidade dos seus habitantes; que a regularidade dos
movimentos determina a volta periódica das mesmas causas e dos mesmos efeitos; que, se demasiado curta é a duração de certos períodos para que os homens os apreciem, outros vêem passar gerações e raças que deles não se apercebem e às quais se afigura normal o estado de coisas que observam. Ao contrário, as gerações contemporâneas da transição lhe sofrem o contrachoque e tudo lhes parece fora das leis ordinárias. Essas gerações vêem uma causa sobrenatural, maravilhosa, miraculosa no que, em realidade, mais não é do que a execução das leis da Natureza.
Se, pelo encadeamento e a solidariedade das causas e dos efeitos, os períodos de renovação moral da Humanidade coincidem, como tudo leva a crer, com as revoluções físicas do globo, podem os referidos períodos ser acompanhados ou precedidos de fenômenos naturais, insólitos para os que com eles não se acham familiarizados, de meteoros que parecem estranhos, de recrudescência e intensificação desusadas dos flagelos destruidores, que não são nem causa, nem presságios sobrenaturais, mas uma consequência do movimento geral que se opera no mundo físico e no mundo moral.
Anunciando a época de renovação que se havia de abrir para a Humanidade e determinar o fim do velho mundo, a Jesus, pois, foi lícito dizer que ela se assinalaria por fenômenos extraordinários, tremores de terra, flagelos diversos, sinais no céu, que mais não são do que meteoros, sem ab-rogação das leis naturais. O vulgo, porém, ignorante, viu nessas palavras a predição de fatos miraculosos. (1)
- A previsão dos movimentos progressivos da Humanidade nada apresenta de surpreendente, quando feita por seres desmaterializados, que vêem o fim a que tendem todas as coisas, tendo alguns deles conhecimento direto do pensamento de Deus. Pelos movimentos parciais, esses seres vêem em que época poderá operar-se um movimento geral, do mesmo modo que o homem pode calcular de antemão o tempo que uma árvore levará para dar frutos, do mesmo modo que os astrônomos calculam a época de um fenômeno astronômico, pelo tempo que um astro gasta para efetuar a sua revolução.
- A Humanidade é um ser coletivo em quem se operam as mesmas revoluções morais por que passa todo ser individual, com a diferença de que umas se realizam de ano em ano e as outras de século em século. Acompanhe-se a Humanidade em suas evoluções através dos tempos e ver-se-á a vida das diversas raças marcada por períodos que dão a cada época uma fisionomia especial.
- De duas maneiras se opera, como já o dissemos, a marcha progressiva da Humanidade: uma, gradual, lenta, imperceptível, se se considerarem as épocas consecutivas, a traduzir-se por sucessivas melhoras nos costumes, nas leis, nos usos, melhoras que só com a continuação se podem perceber, como as mudanças que as correntes dágua ocasionam na superfície do globo; a outra, por movimentos relativamente bruscos, semelhantes aos de uma torrente que, rompendo os diques que a continham, transpõe nalguns anos o espaço que levaria séculos a percorrer. É, então, um cataclismo moral que traga em breves instantes as instituições do passado e ao qual sobrevém uma nova ordem de coisas que pouco a pouco se estabiliza, à medida que se restabelece a calma, e que acaba por se tornar definitiva.
Àquele que viva bastante para abranger com a vista as duas vertentes da nova fase, parecerá que um mundo novo surgiu das ruínas do antigo. O caráter, os costumes, os usos, tudo está mudado. É que, com efeito, surgiram homens novos, ou, melhor, regenerados. As idéias, que a geração que se extinguiu levou consigo, cederam lugar a idéias novas que desabrocham com a geração que se ergue.
- Tornada adulta, a Humanidade tem novas necessidades, aspirações mais vastas e mais elevadas; compreende o vazio com que foi embalada, a insuficiência de suas instituições para lhe dar felicidade; já não encontra, no estado das coisas, as satisfações legítimas a que se sente com direito. Despoja-se, em consequência, das faixas infantis e se lança, impelida por irresistível força, para as margens desconhecidas, em busca de novos horizontes menos limitados,
É a um desses períodos de transformação, ou, se o preferirem, de crescimento moral, que ora chega a Humanidade. Da adolescência chega ao estado viril. O passado já não pode bastar às suas novas aspirações, às suas novas necessidades; ela já não pode ser conduzida pelos mesmos métodos; não mais se deixa levar por ilusões, nem fantasmagorias; sua razão amadurecida reclama alimentos mais substanciosos. É demasiado efêmero o presente; ela sente que mais amplo é o seu destino e que a vida corpórea é excessivamente restrita para encerrá-lo inteiramente. Por isso, mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de descobrir num ou noutro o mistério da sua existência e de adquirir uma consoladora certeza.
E é no momento em que ela se encontra muito apertada na esfera material, em que transbordante se encontra de vida intelectual, em que o sentimento da espiritualidade lhe desabrocha no seio, que homens que se dizem filósofos pretendem encher o vazio com as doutrinas da nadismo e do materialismo! Singular aberração! Esses mesmos homens, que intentam impelir para a frente a Humanidade, se esforçam por circunscrevê-la no acanhado círculo da matéria, donde ela anseia por escapar-se. Velam-lhe o aspecto da vida infinita e lhe dizem, apontando para o túmulo: Nec plus ultra!
- Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas conseqüências e não o circunscreva à produção de alguns fenômenos terá compreendido que ele abre à Humanidade uma estrada nova e lhe desvenda os horizontes do infinito. Iniciando-a nos mistérios do mundo invisível, mostra-lhe o seu verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente ativo, tanto no estado espiritual, como no estado corporal. O homem já não caminha às cegas: sabe donde vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se lhe revela em sua realidade, despojado dos prejuízos da ignorância e da superstição. Já na se trata de uma vaga esperança, mas de uma verdade palpável, tão certa como a sucessão do dia e da noite. Ele sabe que o seu ser não se acha limitado a alguns instantes de uma existência transitória; que a vida espiritual não se interrompe por efeito da morte; que já viveu e tornará a viver e que nada se perde do que haja ganho em perfeição; em suas existências anteriores depara com a razão do que é hoje e reconhece que: do que ele é hoje, qual se fez a si mesmo, poderá deduzir o que virá a ser um dia.
- Com a idéia de que a atividade e a cooperação individuais na obra geral da civilização se limitam à vida presente, que, antes, a criatura nada foi e nada será depois, em que interessa ao homem o progresso ulterior da Humanidade? Que lhe importa que no futuro os povos sejam mais bem governados, mais ditosos, mais esclarecidos, melhores uns para com os outros? Não fica perdido para ele todo o progresso, pois que deste nenhum proveito tirará? De que lhe serve trabalhar para os que hão de vir depois, se nunca lhe será dado conhecê-los, se os seus pósteros serão criaturas novas, que pouco depois voltarão por sua vez ao nada?
Sob o domínio da negação do futuro individual, tudo forçosamente se amesquinha às insignificantes proporções do momento e da personalidade. Entretanto, que amplitude, ao contrário, dá ao pensamento do homem a certeza da perpetuidade do seu ser espiritual! Que de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do Criador do que a lei segundo a qual a vida espiritual e a vida corpórea são apenas dois modos de existência, que se alternam para a realização do progresso! Que de mais justo há e de mais consolador do que a idéia de estarem os mesmos seres a progredir incessantemente, primeiro, através das gerações de um mesmo mundo, de mundo em mundo depois, até à perfeição, sem solução de continuidade! Todas as ações têm, então, uma finalidade, porquanto, trabalhando para todos, cada um trabalha para si e reciprocamente, de sorte que nunca se podem considerar infecundos nem o progresso individual, nem o progresso coletivo. De ambos esses progressos aproveitarão as gerações e as individualidades porvindouras, que outras não virão a ser senão as gerações e as individualidades passadas, em mais alto grau de adiantamento.
- A fraternidade será a pedra angular da nova ordem social; mas, não há fraternidade real, sólida, efetiva, senão assente em base inabalável e essa base é a fé, não a fé em tais ou tais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos e que mutuamente se apedrejam, porquanto, anatematizando-se uns aos outros, alimentam o antagonismo, mas a fé nos princípios fundamentais que toda a gente pode aceitar e aceitará: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos; de que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada de injusto pode querer; que não dele, porém dos homens vem o mal, todos se considerarão filhos do mesmo Pai e se estenderão as mãos uns aos outros.
Essa a fé que o Espiritismo faculta e que doravante será o eixo em torno do qual girará o gênero humano, quaisquer que sejam os cultos e as crenças particulares.
- O progresso intelectual realizado até ao presente, nas mais largas proporções, constitui um grande passo e marca uma primeira fase no avanço geral da Humanidade; impotente, porém, ele é para regenerá-la. Enquanto o orgulho e o egoísmo o dominarem, o homem se servirá da sua inteligência e dos seus conhecimentos para satisfazer às suas paixões e aos seus interesses pessoais, razão por que os aplica em aperfeiçoar os meios de prejudicar os seus semelhantes e de os destruir.
- Somente o progresso moral pode assegurar aos homens a felicidade na Terra, refreando as paixões más; somente esse progresso pode fazer que entre os homens reinem a concórdia, a paz, a fraternidade. Será ele que deitará por terra as barreiras que separam os povos, que fará caiam os preconceitos de casta e se calem os antagonismos de seitas, ensinando os homens a se considerarem irmãos que têm por dever auxiliarem-se mutuamente e não destinados a viver à custa uns dos outros.
Será ainda o progresso moral que, secundado então pelo da inteligência, confundirá os homens numa mesma crença fundada nas verdades eternas, não sujeitas a controvérsias e, em consequência, aceitáveis por todos.
A unidade de crença será o laço mais forte, o fundamento mais sólido da fraternidade universal, obstada, desde todos os tempos pelos antagonismos religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem sejam uns, os dissidentes, vistos, pelos outros, como inimigos a serem evitados, combatidos, exterminados, em vez de irmãos a serem amados.
- Semelhante estado de coisas pressupõe uma mudança radical no sentimento das massas, um progresso geral que não se podia realizar senão fora do círculo das idéias acanhadas e corriqueiras que fomentam o egoísmo.
Em diversas épocas, homens de escol procuraram impelir a Humanidade por esse caminho; mas, ainda muito jovem, ela se conservou surda e os ensinamentos que eles ministraram foram como a boa semente caída no pedregulho.
Hoje, a Humanidade está madura para lançar o olhar a alturas que nunca tentou divisar, a fim de nutrir-se de idéias mais amplas e compreender o que antes não compreendia.
A geração que desaparece levará consigo seus erros e prejuízos; a geração que surge, retemperada em fonte mais pura, imbuída de idéias mais sãs, imprimirá ao mundo ascensional movimento, no sentido do progresso moral que assinalará a nova fase da evolução humana.
- Essa fase já se revela por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis e que começam a encontrar eco. Assim é que vemos fundar-se uma imensidade de instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o influxo e por iniciativa de homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais se vão apresentando dia a dia impregnadas de sentimentos mais humanos. Enfraquecem-se os preconceitos de raça, os povos entram a considerar-se membros de uma grande família; pela uniformidade e facilidade dos meios de realizarem suas transações, eles suprimem as barreiras que os separavam e de todos os pontos do mundo reúnem-se em comícios universais, para as justas pacificas da inteligência.
Falta, porém, a essas reformas uma base que permita se desenvolvam, completem e consolidem; falta uma predisposição moral mais generalizada, para fazer que elas frutifiquem e que as massas as acolham. Ainda aí há um sinal característico da época, porque há o prelúdio do que se efetuará em mais larga escala, à proporção que o terreno se for tornando mais favorável.
- Outro sinal não menos característico do período em que entramos encontra-se na reação que se opera no sentido das idéias espiritualistas; na repulsão instintiva que se manifesta contra as idéias materialistas. O espírito de incredulidade, que se apoderara das massas, ignorantes ou esclarecidas, e as levava a rejeitar com a forma a substância mesma de toda crença, parece ter sido um sono, a cujo despertar se sente a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, lá onde o vácuo se fizera, procura-se alguma coisa, um ponto de apoio.
- Se supusermos possuída desses sentimentos a maioria dos homens, poderemos facilmente imaginar as modificações que dai decorrerão para as relações sociais; todos terão por divisa: caridade, fraternidade, benevolência para com todos, tolerância para todas as crenças. É a meta para que tende evidentemente a Humanidade; esse o objeto de suas aspirações, de seus desejos, sem que, entretanto, ela perceba claramente por que meio as há de realizar. Ensaia, tateia, mas é detida por muitas resistências ativas, ou pela força de inércia dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. Faz-se-lhe mister vencer tais resistências e essa será a obra da nova geração. Quem acompanhar o curso atual das coisas reconhecerá que tudo parece predestinado a lhe abrir caminho. Ela terá por si a dupla força do número e das idéias e, de acréscimo, a experiência do passado.
- A nova geração marchará, pois, para a realização de todas as idéias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento a que houver chegado. Avançando para o mesmo alvo e realizando seus objetivos, o Espiritismo se encontrará com ela no mesmo terreno. Aos homens progressistas se deparará nas idéias espíritas poderosa alavanca e o Espiritismo achará, nos novos homens, espíritos inteiramente dispostos a acolhê-lo. Dado esse estado de coisas, que poderão fazer os que entendam de opor-se-lhe? (A GÊNESE, OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO O ESPIRITISMO, Allan Kardec, Cap. XVII, Juízo Final, Cap. XVIII, São chegados os tempos. - Sinais dos tempos
).

Anjos e Demonios na visão espirita

OS ANJOS
Os anjos segundo a Igreja
1. - Todas as religiões têm tido anjos sob vários nomes, isto é, seres superiores à Humanidade, intermediários entre Deus e os homens. Negando toda a existência espiritual fora da vida orgânica, o materialismo naturalmente classificou os anjos entre as ficções e alegorias. A crença nos anjos é parte essencial dos dogmas da Igreja, que assim os define (1):
2. - "Acreditamos firmemente, diz um concílio geral e ecumênico (2), que só há um Deus verdadeiro, eterno e infinito, que no começo dos tempos tirou conjuntamente do nada as duas criaturas - espiritual e corpórea, angélica e mundana - tendo formado depois, como elo entre as duas, a natureza humana, composta de corpo e Espírito."
"Tal é, segundo a fé, o plano divino na obra da criação, plano majestoso e completo como convinha à eterna sabedoria. Assim concebido, ele oferece aos nossos pensamentos o ser em todos os seus graus e condições."
"Na esfera mais elevada aparecem a existência e a vida puramente espirituais; na última ordem, uma e outra puramente materiais e, intermediariamente, uma união maravilhosa das duas substâncias, uma vida ao mesmo tempo comum ao Espírito inteligente e ao corpo organizado." 
"Nossa alma é de natureza simples e indivisível, porém limitada em suas faculdades. A idéia que temos da perfeição faz-nos compreender que pode haver outros seres simples quanto ela, e superiores por suas qualidades e privilégios."
"A alma é grande e nobre, porém, está associada à matéria, servida por órgãos frágeis e limitada no poder e na ação. Por que não haver outras ainda mais pobres, libertas dessa escravidão, dessas peias e dotadas de uma força e atividade maiores e incomparáveis? Antes que Deus houvesse colocado o homem na Terra, para conhecê-lo, servi-lo, e amá-lo, não teria já chamado outras criaturas, a fim de compor-lhe a corte celeste e adorá-lo no auge da glória? Deus, enfim, recebe das mãos do homem os tributos de honra e homenagem deste universo: é, portanto, de admirar que receba das mãos dos anjos o incenso e as orações do homem? Se, pois, os anjos não existissem, a grande obra do Criador não patentearia o acabamento e a perfeição que lhe são peculiares; este mundo, que atesta a sua onipotência, não fora mais a obra-prima da sabedoria; nesse caso a nossa razão, posto que fraca, poderia conceber um Deus mais completo e consumado. Em cada página dos sagrados livros, do Velho como do Novo Testamentos, se fez menção dessas inteligências sublimes, já em piedosas invocações, já em referências históricas. A sua intervenção aparece manifestamente na vida dos patriarcas e dos profetas. Serve-se Deus de tal ministério, ora para transmitir a sua vontade, ora para anunciar futuros acontecimentos, e os anjos são também quase sempre órgãos de sua justiça e misericórdia. A sua presença ressalta das circunstâncias que acompanham o nascimento, a vida e a paixão do Salvador; a sua lembrança é inseparável da dos grandes homens, como dos fatos mais grandiosos da antiguidade religiosa. A crença nos anjos existe no seio mesmo do politeísmo e nas fábulas da mitologia, porque essa crença é tão universal e antiga quanto o mundo. O culto que os pagãos prestavam aos bons e maus gênios não era mais que falsa aplicação da verdade, um resto degenerado do primitivo dogma. As palavras do santo concílio de Latrão contêm fundamental distinção entre os anjos e os homens: - ensinam-nos que os primeiros são puros Espíritos, enquanto que os segundos se compõem de um corpo e de uma alma, isto é, que a natureza angélica subsiste por si mesma não só sem mistura como dissociada da matéria, por mais vaporosa e sutil que se suponha, ao passo que a nossa alma, igualmente espiritual, associa-se ao corpo de modo a formar com ele uma só pessoa, sendo tal e essencialmente o seu destino." 
"Enquanto perdura tão íntima ligação de alma e corpo, as duas substâncias têm vida comum e se exercem recíproca influência; daí o não poder a alma libertar-se completamente das imperfeições de tal condição: as idéias chegam-lhe pelos sentidos na comparação dos objetos externos e sempre debaixo de imagens mais ou menos aparentes. Eis por que a alma não pode contemplar-se a si mesma, nem conceber Deus e os anjos sem atribuir-lhes forma visível e palpável. O mesmo se dá quanto aos anjos, que para se manifestarem aos santos e profetas hão de revestir formas tangíveis e palpáveis. Essas formas no entanto não passavam de corpos aéreos que faziam mover-se e identificar-se com eles, ou de atributos simbólicos de acordo com a missão a seu cargo."
"Seu ser e movimentos não são localizados nem circunscritos a limitado e fixo ponto do Espaço. Desligados integralmente do corpo, não ocupam qualquer espaço no vácuo; mas assim como a nossa alma existe integral no corpo e em cada uma de suas partes, assim também os anjos estão, e quase que simultaneamente, em todos os pontos e partes do mundo. Mais rápidos que o pensamento, podem agir em toda parte num dado momento, operando por si mesmos sem outros obstáculos, senão os da vontade do Criador e os da liberdade humana. Enquanto somos condenados a ver lenta e limitadamente as coisas externas; enquanto as verdades sobrenaturais se nos afiguram enigmas num espelho, na frase de S. Paulo, eles, os anjos, vêem sem esforço o que lhes importa saber, e estão sempre em relação imediata com o objeto de seus pensamentos. Os seus conhecimentos são resultantes não da indução e do raciocínio, mas dessa intuição clara e profunda que abrange de uma só vez o gênero e as espécies deles derivadas, os princípios e as conseqüências que deles decorrem. A distância das épocas, a diferença de lugares, como a multiplicidade de objetos, confusão alguma podem produzir em seus espíritos."
"Infinita, a essência divina é incompreensível; tem mistérios e profundezas que se não podem penetrar; mas em lhes serem defesos os desígnios particulares da Providência, ela lhos desvenda quando em certas circunstâncias são encarregados de os anunciarem aos homens. As comunicações de Deus com os anjos e destes entre si, não se fazem como entre nós por meio de sons articulados e de sinais sensíveis. As puras inteligências não têm necessidade nem de olhos para ver, nem de ouvidos para ouvir; tampouco possuem órgão vocal para manifestar seus pensamentos. Este instrumento usual de nossas relações é-lhes desnecessário, pois comunicam seus sentimentos de modo só a eles peculiar, isto é, todo espiritual. Basta-lhes querer para se compreenderem. Unicamente Deus conhece o número dos anjos. Este número não é, sem dúvida, infinito, nem pudera sê-lo; porém, segundo os autores sagrados e os santos doutores, é assaz considerável, verdadeiramente prodigioso. Se se pode proporcionar o número de habitantes de uma cidade à sua grandeza e extensão, e sendo a Terra apenas um átomo comparada ao firmamento e às imensas regiões do Espaço, força é concluir que o número dos habitantes do ar e do céu é muito superior ao dos homens. 
E se a majestade dos reis se ostenta pelo brilhantismo e número dos vassalos, dos oficiais e dos súditos, que haverá de mais próprio a dar-nos idéia da majestade do Rei dos reis do que essa multidão inumerável de anjos que povoam céus e Terra, mar e abismos, a dignidade dos que permanecem continuamente prostrados ou de pé ante seu trono?"
"Os padres da Igreja e os teólogos ensinam geralmente que os anjos se dividem em três grandes hierarquias ou principados, e cada hierarquia em três companhias ou coros."
"Os da primeira e mais alta hierarquia designam-se conformemente às funções que exercem no céu:
- Os Serafins são assim designados por serem como que abrasados perante Deus pelos ardores da caridade; outros, os Querubins, por isso que refletem luminosamente a divina sabedoria; e finalmente Tronos os que proclamam a grandeza do Criador, cujo brilho fazem resplandecer."
"Os anjos da segunda hierarquia recebem nomes consentâneos com as operações que se lhes atribui no governo geral do Universo, e são:
- as Dominações, que determinam aos anjos de classes inferiores suas missões e deveres; as Virtudes, que promovem os prodígios reclamados pelos grandes interesses da Igreja e do gênero humano; e as Potências, que protegem por sua força e vigilância as leis que
regem o mundo físico e moral."
"Os da terceira hierarquia têm por missão a direção das sociedades e das pessoas, e são: os Principados, encarregados de reinos, províncias e dioceses; os Arcanjos, que transmitem as mensagens de alta importância, e os Anjos de guarda, que acompanham as criaturas a fim de velarem pela sua segurança e santificação."
Refutação
3. - O princípio geral resultante dessa doutrina é que os anjos são seres puramente espirituais, anteriores e superiores à Humanidade, criaturas privilegiadas e votadas ã felicidade suprema e eterna desde a sua formação, dotadas, por sua própria natureza, de todas as virtudes e conhecimentos, nada tendo feito, aliás, para adquiri-los. Estão, por assim dizer, no primeiro plano da Criação, contrastando com o último onde a vida é puramente material; e, entre os dois, medianamente existe a Humanidade, isto é, as almas, seres inferiores aos anjos e ligados a corpos materiais.
De tal sistema decorrem várias dificuldades capitais: - Em primeiro lugar, que vida é essa puramente material? Será a da matéria bruta? Mas a matéria bruta é inanimada e não tem vida por si mesma. Acaso referir-se-á aos animais e às plantas? Neste suposto seria uma quarta ordem na Criação, pois não se pode negar que no animal inteligente algo há de mais que numa planta, e nesta, que numa simples pedra.
Quanto à alma humana, que estabelece a transição, essa fica diretamente unida a um corpo, matéria bruta, aliás; porque sem alma o corpo tem tanta vida como qualquer bloco de terra.
Evidentemente, esta divisão é obscura e não se compadece com a observação; assemelha-se à teoria dos quatro elementos, anulada pelos progressos da Ciência. Admitamos, entretanto, estes três termos:
- a criatura espiritual, a humana e a corpórea, pois que tal é, dizem, o plano divino, majestoso e completo como convém à Eterna Sabedoria. Notemos antes de tudo que não há ligação alguma necessária entre esses três termos, e que são três criações distintas e formadas sucessivamente, ao passo que em a Natureza tudo se encadeia, mostrando-nos uma lei de unidade admirável, cujos elementos, não passando de transformações entre si, têm, contudo, seus laços de união.
Mas essa teoria, incompleta embora, é, até certo ponto, verdadeira, quanto à existência dos três termos; faltam-lhe os pontos de contacto desses termos, como é fácil demonstrar. 
4. - Diz a Igreja que esses três pontos culminantes da Criação são necessários à harmonia do conjunto. Desde que lhe falte um só que seja, a obra incompleta não mais se compadece com a Sabedoria Eterna. Entretanto, um dos dogmas fundamentais diz que a Terra, os animais, as plantas, o Sol e as estrelas e até a luz foram criados do nada, há seis mil anos. Antes dessa época não havia, portanto, criatura humana nem corpórea - o que importa dizer que no decurso da eternidade a obra divina jazia imperfeita. É artigo de fé capital a criação do Universo, há seis mil anos, tanto que há pouco ainda era a Ciência anatematizada por destruir a cronologia bíblica, provando maior ancianidade da Terra e de seus habitantes.
Apesar disso, o concílio de Latrão, concílio ecumênico que faz lei em matéria ortodoxa, diz: "Acreditamos firmemente num Deus único e verdadeiro, eterno e infinito, que no começo dos tempos tirou conjuntamente do nada as duas criaturas - espiritual e corpórea." Por começo dos tempos só podemos inferir a eternidade transcorrida, visto ser o tempo infinito como o Espaço, sem começo nem fim. Esta expressão, começo dos tempos, antes uma figura que implica a idéia de uma anterioridade ilimitada. O concílio de Latrão acredita, pois, firmemente, que as criaturas espirituais como as corpóreas foram simultaneamente formadas e tiradas em conjunto do nada, numa época indeterminada, no passado. A que fica reduzido, assim, o texto bíblico que data a Criação de seis mil dos nossos anos? E, ainda que se admita seja tal o começo do Universo visível, esse não é seguramente o começo dos tempos. Em qual crer: - no
concílio ou na Bíblia?
5. - O concílio formula, além disso, uma estranha proposição: "Nossa alma, diz, igualmente espiritual, é associada ao corpo de maneira a não formar com ele mais que uma pessoa, e tal é, essencialmente, o seu destino." Ora, se o destino essencial da alma é estar unida ao corpo, esta união constitui o estado normal, o desígnio, o fim, por isso que é o seu destino. Entretanto, a alma é imortal e o corpo não; a união daquela com este só se realiza uma vez, segundo a Igreja, e ainda que durasse um século, nada seria em relação à eternidade. E sendo apenas de algumas horas para muitos, que utilidade teria para a alma união tão efêmera? Mas, que se prolongue essa união tanto quanto se pode prolongar uma existência terrena e, ainda assim, poder-se-á afirmar que o seu destino é estar essencialmente integrada? Não, essa união mais não é na realidade do que um incidente, um estádio da alma, nunca o seu estado
essencial. 
Se o destino essencial da alma é estar ligada ao corpo humano; se por sua natureza e segundo o fim providencial da Criação, essa união é necessária às manifestações das suas faculdades, forçoso é concluir que, sem corpo, a alma humana é um ser incompleto. Ora, para que a alma preencha os seus desígnios, deixando um corpo preciso se faz que tome um outro - o que nos conduz à pluralidade forçada das existências, ou, por outra, à reencarnação, à perpetuidade. É verdadeiramente estranhável que um concílio, havido por uma das luzes da Igreja, tenha a tal ponto identificado os seres espiritual e material, de modo a não subsistirem por si mesmos, pois que a condição essencial da sua criação é estarem unidos.
6. - O quadro hierárquico dos anjos nos mostra que várias ordens têm, nas suas atribuições, o governo do mundo físico e da Humanidade, para cujo fim foram criados. Mas, segundo a Gênese, o mundo físico e a Humanidade não existem senão há seis mil anos; e o que faziam, pois, tais anjos, anteriormente a essa era, durante a eternidade, quando não existia o objetivo das suas ocupações? E teriam eles sido criados de toda a eternidade? Assim deve ser, uma vez que servem à glorificação do Todo-Poderoso. Mas, criando-os numa época qualquer determinada, Deus ficaria até então, isto é, durante uma eternidade, sem adoradores.
7 - Diz ainda o concílio: "Enquanto dura esta união tão intima da alma com o corpo." Há, por conseguinte, um momento em que a união se desfaz? Esta proposição contradita a que sustenta a essencialidade dessa união. E diz mais o concílio: "As idéias lhes chegam pelos sentidos, na comparação dos objetos exteriores." Eis aí uma doutrina filosófica em parte verdadeira, que não em sentido absoluto.
Receber as idéias pelos sentidos é, segundo o eminente teólogo, uma condição inerente à natureza humana; mas ele esquece as idéias inatas, as faculdades por vezes tão transcendentes, a intuição das coisas que a criança traz do berço, não devidas a quaisquer ensinos. Por meio de quais sentidos, jovens pastores, naturais calculistas, admiração dos sábios, adquirem idéias necessárias à resolução quase instantânea dos mais complicados problemas? Outro tanto pode dizer-se de músicos, pintores e filólogos precoces.
"Os conhecimentos dos anjos não resultam da indução e do raciocínio"; têm-nos porque são anjos, sem necessidade de aprendê-los, pois tais foram por Deus criados: quanto à alma, essa deve aprender. Mas se a alma só recebe as idéias por meio dos órgãos corporais, que idéias pode ter a alma de uma criança morta ao fim de alguns dias, se admitirmos com a Igreja que essa alma não renasce?
8. Aqui reponta uma questão vital, qual a de saber-se se a alma pode adquirir conhecimentos após a morte do corpo. Se uma vez liberta do corpo não pode adquirir novos conhecimentos, a alma da criança, do selvagem, do imbecil, do idiota ou do ignorante permanecera tal qual era no momento da morte, condenada à nulidade por todo o sempre. Mas se, ao contrário, ela adquire novos conhecimentos depois da vida atual, então, é que pode progredir.
Sem progresso ulterior para a alma, chega-se a conclusões absurdas, tanto quanto admitindo-o se conclui pela negação de todos os dogmas fundados sobre o estacionamento, a sorte irrevogável, as penas eternas, etc. Progredindo a alma, qual o limite do progresso? Não há razão para não atingir por ele ao grau dos anjos, ou puros Espíritos. Ora, com tal possibilidade não se justificaria a criação de seres especiais e privilegiados, isentos de qualquer labor, gozando incondicionalmente de eterna felicidade, ao passo que outros seres menos favorecidos só obtêm essa felicidade a troco de longos, de cruéis sofrimentos e rudes provas. Sem dúvida que Deus poderia ter assim determinado, mas, admitindo-lhe o infinito de perfeição sem a qual não fora Deus, força é admitir que coisa alguma criaria inutilmente, desmentindo a sua justiça e bondade soberanas. 
9. - "E se a majestade dos reis ostenta o seu brilhantismo pelo número dos vassalos, oficiais e súditos, que haverá de mais próprio a dar-nos idéia da majestade do Rei dos reis do que essa inumerável multidão de anjos que povoam céu e terra, mar e abismos, a dignidade dos que permanecem continuamente prostrados ou de pé ante seu trono?"
E não será rebaixar a Divindade confrontá-la com o fausto dos soberanos da Terra? Essa idéia, inculcada no espírito das massas ignorantes, falseia a opinião de sua verdadeira grandeza. Sempre Deus reduzido às mesquinhas proporções da Humanidade! Atribuir-lhe, como necessidade, milhões de adoradores, perenemente genuflexos, é emprestar-lhe vaidade e fraqueza próprias dos orgulhosos déspotas do Oriente! E que é que engrandece os soberanos verdadeiramente grandes? É o número e brilho dos cortesãos? não; é a bondade, é a justiça, é o título merecido de pais do seu povo. perguntareis se haverá algo de mais próprio a dar-nos a idéia da grandeza e majestade de Deus do que a multidão de anjos que lhe compõem a corte... Mas, certamente que há, e essa coisa melhor é apresentar-se Deus às suas criaturas soberanamente bom, justo e misericordioso, que não colérico, invejoso, vingativo, exterminador e parcial, criando para sua própria glória esses seres privilegiados, cumulados de todos os dons e nascidos para a felicidade eterna, enquanto a outros impõe condições penosas na aquisição de bens, punindo erros momentâneos com eternos suplícios...
10. - A respeito da união da alma com o corpo, o Espiritismo professa uma doutrina infinitamente mais espiritualista, para não dizer menos materialista, tendo ao demais a seu favor a conformidade com a observação e o destino da alma. Ele ensina-nos que a alma é independente do corpo, não passando este de temporário invólucro: a espiritualidade é-lhe a essência, e a sua vida normal é a vida espiritual. O corpo é apenas instrumento da alma para exercício das suas faculdades nas relações com o mundo material; separada desse corpo, goza dessas faculdades mais livre e altamente.
11. - A união da alma com o corpo, em ser necessária aos seus primeiros progressos, só se opera no período que poderemos classificar como da sua infância e adolescência; atingido, porém, que seja, um certo grau de perfeição e desmaterialização, essa união é prescindível, o progresso faz-se na sua vida de Espírito. Demais, por numerosas que sejam as existências corpóreas, elas são limitadas à existência do corpo, e a sua soma total não compreende, em todos os casos, senão uma parte imperceptível da vida espiritual, que é ilimitada.

Os anjos segundo o Espiritismo
12. - Que haja seres dotados de todas as qualidades atribuídas aos anjos, não restam dúvidas. A revelação espírita neste ponto confirma a crença de todos os povos, fazendo-nos conhecer ao mesmo tempo a origem e natureza de tais seres.
As almas ou Espíritos são criados simples e ignorantes, isto é, sem conhecimentos nem consciência do bem e do mal, porém, aptos para adquirir o que lhes falta. O trabalho é o meio de aquisição, e o fim - que é a perfeição - é para todos o mesmo. Conseguem-no mais ou menos prontamente em virtude do livre-arbítrio e na razão direta dos seus esforços; todos têm os mesmos degraus a franquear, o mesmo trabalho a concluir. Deus não aquinhoa melhor a uns do que a outros, porquanto é justo, e, visto serem todos seus filhos, não tem predileções. Ele lhes diz: Eis a lei que deve constituir a vossa norma de conduta; ela só pode levar-vos ao fim; tudo que lhe for conforme é o bem; tudo que lhe for contrário é o mal. Tendes inteira liberdade de observar ou infringir esta lei, e assim sereis os árbitros da vossa própria sorte.
Conseguintemente, Deus não criou o mal; todas as suas leis são para o bem, e foi o homem que criou esse mal, divorciando-se dessas leis; se ele as observasse escrupulosamente, jamais se desviaria do bom caminho.
13. - Entretanto, a alma, qual criança, é inexperiente nas primeiras fases da existência, e daí o ser falível. Não lhe dá Deus essa experiência, mas dá-lhe meios de adquiri-la. Assim, um passo em falso na senda do mal é um atraso para a alma, que, sofrendo-lhe as conseqüências, aprende à sua custa o que importa evitar. Deste modo, pouco a pouco, se desenvolve, aperfeiçoa e adianta na hierarquia espiritual até ao estado de puro Espírito ou anjo. Os anjos são, pois, as almas dos homens chegados ao grau de perfeição que a criatura comporta, fruindo em sua plenitude a prometida felicidade. Antes, porém, de atingir o grau supremo, gozam de felicidade relativa ao seu adiantamento, felicidade que consiste, não na ociosidade, mas nas funções que a Deus apraz confiar-lhes, e por cujo desempenho se sentem ditosas, tendo ainda nele um meio de progresso. (Vede 1ª Parte, cap. III, "O céu".)
14. A Humanidade não se limita à Terra; habita inúmeros mundos que no Espaço circulam; já habitou os desaparecidos, e habitará os que se formarem. Tendo-a criado de toda a eternidade, Deus jamais cessa de criá-la. Muito antes que a Terra existisse e por mais remota que a suponhamos, outros mundos havia, nos quais Espíritos encarnados percorreram as mesmas fases que ora percorrem os de mais recente formação, atingindo seu fim antes mesmo que houvéramos saído das mãos do Criador. De toda a eternidade tem havido, pois, puros Espíritos ou anjos; mas, como a sua existência humana se passou num infinito passado, eis que os supomos como se tivessem sido sempre anjos de todos os tempos.
15. Realiza-se assim a grande lei de unidade da Criação; Deus nunca esteve inativo e sempre teve puros Espíritos, experimentados e esclarecidos, para transmissão de suas ordens e direção do Universo, desde o governo dos mundos até os mais ínfimos detalhes. Tampouco teve Deus necessidade de criar seres privilegiados, isentos de obrigações; todos, antigos e novos, adquiriram suas posições na luta e por mérito próprio; todos, enfim, são filhos de suas obras.
E, desse modo, completa-se com igualdade a soberana justiça do Criador.
Origem da crença nos demônios
1. - Em todos os tempos os demônios representaram papel saliente nas diversas teogonias, e, posto que consideravelmente decaídos no conceito geral, a importância que se lhes atribui, ainda hoje, dá à questão uma tal ou qual gravidade, por tocar o fundo mesmo das crenças religiosas. Eis por que útil se torna examiná-la, com os desenvolvimentos que comporta.
A crença num poder superior é instintiva no homem. Encontramo-la, sob diferentes formas, em todas as idades do mundo. Mas, se hoje, dado o grau de cultura atingido, ainda se discute sobre a natureza e atributos desse poder, calcule-se que noções teria o homem a respeito, na infância da Humanidade.
2. - Como prova da sua inocência, o quadro dos homens primitivos extasiados ante a Natureza e admirando nela a bondade do Criador é, sem dúvida, muito poético, mas pouco real. De fato, quanto mais se aproxima do primitivo estado, mais o homem se escraviza ao instinto, como se verifica ainda hoje nos povos bárbaros e selvagens contemporâneos; o que mais o preocupa, ou, antes, o que exclusivamente o preocupa é a satisfação das necessidades materiais, mesmo porque não tem outras.
O único sentido que pode torná-lo acessível aos gozos puramente morais não se desenvolve senão gradual e morosamente; a alma tem também a sua infância, a sua adolescência e virilidade como o corpo humano; mas para compreender o abstrato, quantas evoluções não tem ela de experimentar na Humanidade! Por quantas existências não deve ela passar!
Sem nos remontarmos aos tempos primitivos, olhemos em torno a gente do campo e perscrutemos os sentimentos de admiração que nela despertam o esplendor do Sol nascente, do firmamento a estrelada abóbada, o trino dos pássaros, o murmúrio das ondas claras, o vergel florido dos prados. Para essa gente o Sol nasce por hábito, e uma vez que desprende o necessário calor para sazonar as searas, não tanto que as creste, está realizado tudo o que ela almejava; olha o céu para saber se bom ou mau tempo sobrevirá; que cantem ou não as aves, tanto se lhe dá, desde que não desbastem da seara os grãos; prefere às melodias do rouxinol, o cacarejar da galinhada e o grunhido dos porcos; o que deseja dos regatos cristalinos, ou lodosos, é que não sequem nem inundem; dos prados, que produzam boa erva, com ou sem flores.
Eis aí tudo o que essa gente almeja, ou, o que é mais, tudo o que da Natureza apreende, conquanto muito distanciada já dos primitivos homens. 

3. - Se nos remontarmos a estes últimos, então, surpreendê-los-emos mais exclusivamente preocupados com a satisfação de necessidades materiais, resumindo o bem e o mal neste mundo somente no que concerne à satisfação ou prejuízo dessas necessidades.
Acreditando num poder extra-humano e porque o prejuízo material é sempre o que mais de perto lhes importa, atribuem-no a esse poder, do qual fazem, aliás, uma idéia muito vaga. E por nada conceberem fora do mundo visível e tangível, tal poder se lhes afigura identificado nos seres e coisas que os prejudicam.
Os animais nocivos não passam para eles de representantes naturais e diretos desse poder. Pela mesma razão, vêem nas coisas úteis a personificação do bem: dai, o culto votado a certas plantas e mesmo a objetos inanimados. Mas o homem é comumente mais sensível ao mal que ao bem; este lhe parece natural, ao passo que aquele mais o afeta. Nem por outra razão se explica, nos cultos primitivos, as cerimônias sempre mais numerosas em honra ao poder maléfico: o temor suplanta o reconhecimento.
Durante muito tempo o homem não compreendeu senão o bem e o mal físicos; os sentimentos morais só mais tarde marcaram o progresso da inteligência humana, fazendo-lhe entrever na espiritualidade um poder extra-humano fora do mundo visível e das coisas materiais. Esta obra foi, seguramente, realizada por inteligências de escol, mas que não puderam exceder certos limites.
4. - Provada e patente a luta entre o bem e o mal, triunfante este muitas vezes sobre aquele, e não se podendo racionalmente admitir que o mal derivasse de um benéfico poder, concluiu-se pela existência de dois poderes rivais no governo do mundo. Daí nasceu a doutrina dos dois princípios, aliás lógica numa época em que o homem se encontrava incapaz de, raciocinando, penetrar a essência do Ser Supremo.
Como compreenderia, então, que o mal não passa de estado transitório do qual pode emanar o bem, conduzindo-o à felicidade pelo sofrimento e auxiliando-lhe o progresso? Os limites do seu horizonte moral, nada lhe permitindo ver para além do seu presente, no passado como no futuro, também não lhe permitia compreender que já houvesse progredido, que progrediria ainda individualmente, e muito menos que as vicissitudes da vida resultavam das imperfeições do ser espiritual nele residente, o qual preexiste e sobrevive ao corpo, na dependência de uma série de existências purificadoras até atingir a perfeição.

Para compreender como do mal pode resultar o bem é preciso considerar não uma, porém, muitas existências; é necessário apreender o conjunto do qual - e só do qual - resultam nítidas as causas e respectivos efeitos.
5. - O duplo princípio do bem e do mal foi, durante muitos séculos, e sob vários nomes, a base de todas as crenças religiosas. Vemo-lo assim sintetizado em Oromase e Arimane entre os persas, em Jeová e Satã entre os hebreus. Todavia, como todo soberano deve ter ministros, as religiões geralmente admitiram potências secundárias, ou bons e maus gênios. Os pagãos fizeram deles individualidades com a denominação genérica de deuses e deram-lhes atribuições especiais para o bem e para o mal, para os vícios e para as virtudes. Os cristãos e os muçulmanos herdaram dos hebreus os anjos e os demônios.
6. - A doutrina dos demônios tem, por conseguinte, origem na antiga crença dos dois princípios. Compete-nos examiná-la aqui tão-somente no ponto de vista cristão para ver se está de acordo com as noções mais exatas que possuímos hoje, dos atributos da Divindade. Esses atributos são o ponto de partida, a base de todas as doutrinas religiosas; os dogmas, o culto, as cerimônias, os usos e a moral, tudo é relativo à idéia mais ou menos justa, mais ou menos elevada que se forma de Deus, desde o fetichismo até o Cristianismo. Se a essência de Deus continua a ser um mistério para as nossas inteligências, compreendemo-la no entanto melhor que nunca, mercê dos ensinamentos do Cristo. O Cristianismo racionalmente ensina-nos que: Deus é único, eterno, imutável, imaterial, onipotente, soberanamente justo e bom, infinito em todas as perfeições.
Foi por isso que algures dissemos - (1ª Parte cap. VI, "Doutrina das penas eternas") "Se se tirasse a menor parcela de um só dos seus atributos, não haveria mais Deus, por isso que poderia coexistir um ser mais perfeito." Estes atributos, na sua plenitude absoluta, são, pois, o critério de todas as religiões, estalão da verdade de cada um dos princípios que ensinam. E para que qualquer desses princípios seja verdadeiro, preciso é que não encerre um atentado às divinas perfeições. Vejamos se assim é, de fato, na doutrina vulgar dos demônios.
Os demônios segundo a Igreja
7 . Satanás, o chefe ou o rei dos demônios, não é, segundo a Igreja, uma personificação alegórica do mal, mas uma entidade real, praticando exclusivamente o mal, enquanto que Deus pratica exclusivamente o bem. Tomemo-lo, pois, tal qual no-lo representam. Satanás existe de toda a eternidade, como Deus, ou ser-lhe-á posterior? Existindo de toda a eternidade é incriado, e, por conseqüência, igual a Deus. Este Deus, por sua vez, deixará de ser único, pois haverá um deus do mal. Mas se lhe for posterior? Neste caso passa a ser uma criatura de Deus. Como tal, só praticando o mal por incapaz de fazer o bem e tampouco de arrepender-se, Deus teria criado um ser votado exclusiva e eternamente ao mal. Não sendo o mal obra de Deus, seria contudo de uma das suas criaturas, e nem por isso deixava Deus de ser o autor, deixando igualmente de ser profundamente bom. O mesmo se dá, exatamente, em relação aos seres maus chamados demônios.
8. - Tal foi, por muito tempo, a crença neste sentido. Hoje dizem (1): "Deus, que é a bondade e santidade por excelência, não os havia criado perversos e maus. A mão paternal que se apraz imprimir em todas as suas obras o cunho de infinitas perfeições, cumulara-os de magníficos predicados. As qualidades eminentíssimas de sua natureza, juntara as liberalidades da sua graça; em tudo os fizera iguais aos Espíritos sublimes de glória e felicidade; subdivididos por todas as suas ordens e adstritos a todas as classes, eles tinham o mesmo fim e idênticos destinos. Foi seu chefe o mais belo dos arcanjos. Eles poderiam até ter alcançado a confirmação de justos para todo o sempre, e serem admitidos ao gozo da bem-aventurança dos céus.
Este último favor, que deverá ser o complemento de todos os outros, constituía o prêmio da sua docilidade, mas dele desmereceram por insensata e audaciosa revolta."
As citações seguintes são extraídas da pastoral de Monsenhor Gousset, cardeal-arcebispo de Reims, para a quaresma de 1865:
"Qual foi o escolho da sua perseverança? Que verdade desconheceram? Que ato de adoração, de fé, recusaram a Deus? A Igreja e os anais das santas escrituras não no-lo dizem positivamente, mas certo parece que não aquiesceram à mediação do Filho de Deus, nem à exaltação da natureza humana em Jesus-Cristo."
"O Verbo Divino, criador de todas as coisas, é também o mediador e salvador único, na Terra como no Céu. O fim sobrenatural não foi dado aos anjos e aos homens senão na previsão de sua encarnação e méritos, pois não há proporção alguma entre a obra dos Espíritos eminentes e a recompensa, que é o próprio Deus. Nenhuma criatura poderia alcançar tal fim, sem esta maravilhosa e sublime intervenção da caridade. Ora, para preencher a distância infinita que separa a sua essência das suas obras, preciso fora reunisse à sua pessoa os dois extremos, associando à divindade as naturezas ou do anjo, ou do homem: e preferiu então a natureza humana. Esse plano, concebido de toda eternidade, foi manifestado aos anjos muito antes da sua execução: o Homem- Deus foi-lhes mostrado como Aquele que deveria confirmá-los na graça e guiá-los à glória, sob a condição de o adorarem durante a missão terrestre, e para todo o sempre no céu. Revelação inesperada, arrebatadora visão para corações generosos e gratos, mas - mistério profundo - humilhante para espíritos soberbos! Esse fim sobrenatural, essa glória imensa que lhes propunham não seria unicamente a recompensa de seus méritos pessoais. Nunca poderiam atribuir a si próprios os títulos dessa glória! Uni mediador entre Deus e eles! Que injúria à sua dignidade! E a preferência espontânea pela natureza humana? Que injustiça! que afronta aos seus direitos!"
"E chegarão eles a ver esta Humanidade, que lhes é tão inferior, deificada pela união com o Verbo, sentada à mão direita de Deus em trono resplandecente? Consentirão enfim que ela ofereça a Deus, eternamente, a homenagem da sua adoração?"
"Lúcifer e a terça parte dos anjos sucumbiram a tais pensamentos de inveja e de orgulho. S. Miguel e com ele muitos exclamaram: "Quem é semelhante a Deus? Ele é o dono de seus dons, o soberano Senhor de todas as coisas. Glória a Deus e ao Cordeiro, que tem de ser imolado à salvação do mundo." O chefe dos rebeldes, porém, esquecido de que a Deus devia a sua nobreza e prerrogativas, raiando pela temeridade, disse: "Sou eu quem ao céu subirá; fixarei residência acima dos astros; sentar-me-ei sobre o monte da aliança, nos flancos do Aquilão, dominarei as nuvens mais elevadas e serei semelhante ao Altíssimo." Os que de tais sentimentos partilharam, acolheram essas palavras com murmúrios de aprovação, e partidários houve em todas as hierarquias. A sua multidão, contudo, não os preserva do castigo."
Os demônios segundo o Espiritismo
20. Segundo o Espiritismo, nem anjos nem demônios são entidades distintas, por isso que a criação de seres inteligentes é uma só. Unidos a corpos materiais, esses seres constituem a Humanidade que povoa a Terra e as outras esferas habitadas; uma vez libertos do corpo material, constituem o mundo espiritual ou dos Espíritos, que povoam os Espaços. Deus criou-os perfectíveis e deu-lhes por escopo a perfeição, com a felicidade que dela decorre. Não lhes deu, contudo, a perfeição, pois quis que a obtivessem por seu próprio esforço, a fim de que também e realmente lhes pertencesse o mérito. Desde o momento da sua criação que os seres progridem, quer encarnados, quer no estado espiritual. Atingido o apogeu, tornam-se puros espíritos ou anjos segundo a expressão vulgar, de sorte que, a partir do embrião do ser inteligente até ao anjo, há uma cadeia na qual cada um dos elos assinala um grau de progresso.
Do expresso resulta que há Espíritos em todos os graus de adiantamento, moral e intelectual, conforme a posição em que se acham, na imensa escala do progresso. Em todos os graus existe, portanto, ignorância e saber, bondade e maldade. Nas classes inferiores destacam-se Espíritos ainda profundamente propensos ao mal e comprazendo-se com o mal. A estes pode-se denominar demônios, pois são capazes de todos os malefícios aos ditos atribuídos. O Espiritismo não lhes dá tal nome por se prender ele à idéia de uma criação distinta do gênero humano, como seres de natureza essencialmente perversa, votados ao mal eternamente e incapazes de qualquer progresso para o bem.
21. - Segundo a doutrina da Igreja os demônios foram criados bons e tornaram-se maus por sua desobediência: são anjos colocados primitivamente por Deus no ápice da escala, tendo dela decaído. Segundo o Espiritismo os demônios são Espíritos imperfeitos, suscetíveis de regeneração e que, colocados na base da escala, hão de nela graduar-se. Os que por apatia, negligência, obstinação ou má-vontade persistem em ficar, por mais tempo, nas classes inferiores, sofrem as conseqüências dessa atitude, e o hábito do mal dificulta-lhes a regeneração. Chega-lhes, porém, um dia a fadiga dessa vida penosa e das suas respectivas conseqüências; eles comparam a sua situação à dos bons Espíritos e compreendem que o seu interesse está no bem, procurando então melhorarem-se, mas por ato de espontânea vontade, sem que haja nisso o mínimo constrangimento. "Submetidos à lei geral do progresso, em virtude da sua aptidão para o mesmo, não progridem, ainda assim, contra a vontade." Deus fornece-lhes constantemente os meios, porém, com a faculdade de aceitá-los ou recusá-los. Se o progresso fosse obrigatório não haveria mérito, e Deus quer que todos tenhamos o mérito de nossas obras. Ninguém é colocado em primeiro lugar por privilégio; mas o primeiro lugar a todos é franqueado à custa do esforço próprio.
Os anjos mais elevados conquistaram a sua graduação, passando, como os demais, pela rota comum.
22. - Chegados a certo grau de pureza, os Espíritos têm missões adequadas ao seu progresso; preenchem assim todas as funções atribuídas aos anjos de diferentes categorias. E como Deus criou de toda a eternidade, segue-se que de toda a eternidade houve número suficiente para satisfazer às necessidades do governo universal. Deste modo uma só espécie de seres inteligentes, submetida à lei de progresso, satisfaz todos os fins da Criação. 

Por fim, a unidade da Criação, aliada à idéia de uma origem comum, tendo o mesmo ponto de partida e trajetória, elevando-se pelo próprio mérito, corresponde melhor à justiça de Deus do que a criação de espécies diferentes, mais ou menos favorecidas de dotes naturais, que seriam outros tantos privilégios.
23. - A doutrina vulgar sobre a natureza dos anjos, dos demônios e das almas, não admitindo a lei do progresso, mas vendo todavia seres de diversos graus, concluiu que seriam produto de outras tantas criações especiais. E assim foi que chegou a fazer de Deus um pai parcial, tudo concedendo a alguns de seus filhos, e a outros impondo o mais rude trabalho. Não admira que por muito tempo os homens achassem justificação para tais preferências, quando eles próprios delas usavam em relação aos filhos, estabelecendo direitos de primogenitura e outros privilégios de nascimento. Podiam tais homens acreditar que andavam mais errados que Deus?
Hoje, porém, alargou-se o circulo das idéias: o homem vê mais claro e tem noções mais precisas de justiça; desejando-a para si e nem sempre encontrando-a na Terra, ele quer pelo menos encontrá-la mais perfeita no Céu. E aqui está por que lhe repugna à razão toda e qualquer doutrina, na qual não resplenda a Justiça Divina na plenitude integral da sua pureza.