quinta-feira, 23 de abril de 2015

Satã - Uma Visão espirita


Quando falamos em Diabo, Satã ou Satanás, nos referimos a uma entidade, um ser existente fisicamente, completamente voltado ao mal sem possibilidades de recuperação, condenado por Deus a reinar, privado da Luz Divina, seu lugar nos escuros e sombrios labirintos de uma caverna que chamamos Inferno.


Também nos lembramos do maior inimigo de Deus com quem batalha há milênios tendo por prêmio a alma dos homens: Deus ficaria com a alma dos bons e o Diabo com a alma dos maus.

O Espiritismo nos mostra que o Diabo seja qual for o seu apelido, não existe. Por Diabo devemos entender a maldade que existe em cada ser humano, seja ele desencarnado ou encarnado. Daí a existência de espíritos bons e espíritos maus, e para todos sempre existe a recuperação.

No entanto temos que admitir que o Espiritismo, enquanto religião é relativamente novo se comparado com as demais religiões. É normal, portanto, que muitos de seus adeptos, senão a maioria, seja originária de outras religiões. Aportamos no Espiritismo vindos do Catolicismo e do Protestantismo trazendo conosco todo um conjunto de valores que tínhamos como verdade absoluta e inquestionável. Um desses valores é a existência do Diabo, dos demônios e das penas eternas. Apesar de aprendermos muitas coisas que o Espiritismo nos ensina, ainda guardamos algum receio, ou mesmo medo das velhas crenças.

Pode ainda nos causar incômodo ou desconforto ao pronunciarmos ou ouvirmos alguns apelidos que conhecemos: capeta, coisa-ruim, sujo, cascudo, tinhoso, danado, cão, maldito, chifrudo, manquitola, quatro - dedos, beiçudo, bode – preto, cramulhano, pé – de – cabra, 
Anti - Cristo e por aí vai.

Como nos ensina o Espiritismo, precisamos estar sempre estudando porque o estudo desenvolve nossa inteligência, com a qual podemos melhor diferenciar o bem do mal. 

Estudarmos o diabo e sua história nos ajuda a desmistificar a imagem errada que fazemos deste personagem.

A visão moderna que temos do Diabo não é a mesma de tempos atrás. Em toda a história da humanidade sempre existiram bons e maus. Por não compreenderem as verdades como hoje as compreendemos, a humanidade explicou a existência de coisas ruins de maneiras coerentes com a época.

Entre os gregos, Sócrates já afirmava a existência dos demônios, que seriam gênios. Esses gênios (ou demônios) eram espíritos intermediários entre Deus e os Homens. Como tais, podiam ser ruins ou bons. Ele mesmo tinha seu gênio que o aconselhava.

No Museu do Louvre (Paris) existe uma imagem em bronze, datada de 1350 a.C. de Pazuzu (o Agarrador), o demônio do vento do sudoeste. No verão trazia doenças e o flagelo da seca e da fome e no inverno trazia gafanhotos.

Como se nota, os homens atribuíam às divindades boas ou más a explicação dos fenômenos naturais que ele não compreendia.
Estas referências servem apenas para demonstrar que a crença na existência de espíritos bons e maus não é nova, nem exclusividade hebraica ou cristã.

Apesar do interesse que o assunto nos provoca, é no meio cristão que mais no interessa a compreensão do Diabo.

A palavra Satã refere-se ao nome do Príncipe do Mal e origina-se na palavra hebraica Sãtãn que em grego significa Satanás. Portanto, Satã ou Satanás refere-se à mesma criatura, e significa “adversário”.

Nas traduções modernas da Bíblia, a palavra Sãtãn foi traduzida por Satanás, todas escritas com o “S” maiúsculo, ou pela palavra Diabo. Nos textos mais primitivos do Antigo Testamento, o “s” de satã era minúsculo.

Satanás, ou satã com “s” minúsculo indica um substantivo qualificativo. Neste caso algo ou al-guém é qualificado com uma função ou atribuição assim como hoje em dia chamamos de Promotor o homem que é advogado e tem a função de acusador. Nas citações do Velho Testamento, analisando o contexto em que foi citado, satã refere-se ao acusador (promotor) e muitas vezes é descrito um verdadeiro tribunal divino.

Já a palavra Diabo tem origem na tradução do Velho Testamento conhecida como a Bíblia dos Setenta. Isto porque a tradução foi feita no século III a.C. por 72 rabinos e, segunda a lenda, demorou 72 dias para ser concluída. Nesta tradução a palavra satã foi substituída pela palavra grega “diabolos” que traduzida para o português arcaico significa “diaboo”.
As passagens Bíblicas:

1. Zacarias, 3,1-2 
2. Jó, 1, 6-12 

são suficientes para demonstrar o caráter de Satanás. Notemos que não havia nenhum diálogo entre ele e Deus que denotasse a inimizade arraigada de hoje em dia. Não se trata aqui de dois oponentes que disputam a alma dos homens. Ao contrário, Satanás se mostra bem submisso às ordens de Deus, aceitando calmamente todas as decisões divinas e não encontramos nenhuma passagem que pudesse ser caracterizada de forma diferente. Satanás era, como se demonstra, um servidor de Deus. Este servidor possuía uma tarefa das mais desagradáveis: encontrar e denunciar as falhas humanas. Por isso mesmo, Satanás era temido por aqueles que cometiam erros contra o Senhor. Nota-se que no versículo 6 do capítulo 1 de Jó, que Satanás 
encontrou-se com o Senhor junto aos filhos de Deus e não há citação alguma de qualquer incômodo que a presença pudesse ter causado.

De promotor divino, acusador, Satanás evoluiu, ou involuiu para o ser infeliz, destinado a viver nas trevas, privado da Luz Divina, adversário de Deus com quem disputa a alma dos homens. Esta evolução aconteceu apenas no Cristianismo.

Foi com os evangelistas que o caráter infernal de Satanás veio à tona.

O Apocalipse de João revela uma imagem melhor elaborada de Satanás, e é no capítulo 12 que João descreve a queda do Anjo, identificado como o grande dragão.

Por todo o novo testamento existem citações das ações do Diabo que é reconhecido em todo lugar onde haja uma maldade humana.

A palavra Lúcifer , também atribuída erroneamente a Satã, era, na verdade, atribuída a Jesus, o Cristo pois é Ele o único Lúcifer que o nosso mundo conheceu.

Feroz e terrível, a imagem do Diabo assombrou os cristãos iniciantes mas foi com Santo Agostinho que sua imagem se firmou.

O antagonismo entre Deus e Diabo representa antes de tudo a eterna luta entre o bem e o mal. Aurelius Augustinus, o nosso Santo Agostinho, nasceu em 13 de novembro de 354. Romano de descendência, africano de nacionalidade (nasceu em Tagaste, Numídia, na África), ingressou no Catolicismo aos 32 anos, em 386 e converteu-se num dos quatro pilares da filosofia Católica. Defendeu a idéia de que Deus é a bondade absoluta.

Em 395 torna-se bispo na cidade de Hispona.

Em 397 e 398 escreve As Confissões que é uma autobiografia.

Em 413 começa a escrever a Cidade de Deus.

Falece em 28 de agosto de 430.

N’As Confissões defende a tese de que Deus é incorruptível, sendo o eterno Bem. Também defende que o mal nada mais é do que a corrupção do bem. Portanto, todo aquele que pratica o mal está, na verdade, corrompendo o bem que está em si. Se estiver corrompendo o bem que está em si é porque existe nele alguma coisa boa que possa ser corrompida. Portanto, todo o que se corrompe é bom. Para ele, o mal absoluto não existe porque, ou seria criado por Deus, mas Deus não criou o mal, ou o mal absoluto seria um outro deus que contraria a crença Cristã do Deus Único. Portanto, nada existe que não possa obter a salvação, apenas restringe a salvação como sendo por uma graça Divina.

O diabo, como ser eternamente devotado ao mal, no Livro A Cidade de Deus, Santo Agostinho ratifica que o mal não é criação Divina mas uma criação do homem. O anjo que se revoltou contra Deus e foi expulso da Felicidade Eterna dos Anjos, revoltou-se por conta da soberbia e do orgulho que lhe dominou. Portanto, o diabo não é uma criação de Deus mas o resultado dos pecados de um anjo.

Esta filosofia de Santo Agostinho fortaleceu ainda mais a crença no diabo.

E o capeta cresceu em poder diante dos homens durante os séculos vindouros. Mas foi na Idade Média que ele atingiu o topo de seu apogeu.

Tudo o que viam e acontecia sem uma explicação, era designado ao diabo. Se uma pessoa caía e se debatia no chão, com a espuma a sair-lhe pela boca, estava possuída.

A arma mais forte do diabo era a tentação.

No Paraíso, o diabo na forma de uma serpente tentou Eva a consumir a fruta proibida ocasionando sua expulsão do Paraíso.

A mulher foi responsabilizada pela condenação do homem. Por ter cedido à tentação, formou-se a opinião de que a mulher era facilmente influenciada e por isso mesmo, transformou-se em serva do diabo, sendo chamada de bruxa. Tidas como insaciáveis, faladeiras, sensuais e lascivas, as mulheres atraíam facilmente os homens para o pecado.

Foi na Idade Média que surgiram as caças aos bruxos (ou feiticeiros) e a identificação da ação no Diabo nos possuídos e nos atormentados.

Os possuídos eram aquelas pessoas tomadas pelos demônios, mas contra sua vontade.

Os atormentados eram aquelas pessoas tomadas esporadicamente pelos demônios e também contra a sua vontade.

Os feiticeiros (ou bruxos) eram indivíduos que fizeram um acordo com o Diabo recebendo poderes especiais em troca de sua alma.
Mesmo com todo o poder adquirido na Idade Média, o Diabo viria a sofrer golpes terríveis.

No Renascimento, que marcou o fim da Idade Média, o Diabo começou a sofrer sérios reveses e seu poder foi diminuindo pouco a pouco.

Neste período, o desenvolvimento da cultura e da ciência, a bruxaria foi taxada como coisa de gente ignorante, indigna de pessoas mais cultas.
Outro golpe que marcou o fim do poderio satânico foi o desenvolvimento das ciências.
Trazendo ao mundo várias descobertas que não podiam ser contestadas pela crendice ou pela ignorância, os fatos antes atribuídos ao demônio tornaram-se problemas de saúde física com recuperação através de tratamentos e medicação.

É natural que o seu poder diminuiria pois sua fonte estava justamente sendo demonstrado nada ter de demoníaco, mas  foi na segunda metade do século XIX que o Diabo sofreu os mais sérios e decisivos golpes.

O primeiro em 18 de Abril de 1857 quando Allan Kardec trouxe ao mundo O LIVRO DOS ESPÍRITOS.

Mais precisamente nas perguntas de números 128 até a 131, os Espíritos esclarecem que não existem seres eternamente voltados ao mal nem seres criados em situações especiais, diferentes do restante da humanidade.

Evidentemente que a obra de Kardec gerou muita oposição, mas a verdade prevaleceu.
Mas o golpe decisivo veio em setembro de 1865 quando Kardec entrega ao mundo sua obra O CEU E O INFERNO.

Apesar d’O Livro dos Espíritos abordar este assunto de forma incontestável, é n’O Céu o Inferno que temos uma explicação detalhada e racional demonstrando a impossibilidade da existência do Diabo e seus seguidores.

Não importa quantos nomes ou apelidos foram atribuídos ao ser de eterno mal, o fato é que ele não existe como um ser real, físico.

Sua existência deve sim, a uma figuração do mal. Um símbolo do mal que o homem pode produzir.

Dentro desta simbologia, podemos denominar os espíritos maus como demônios, desde que aceitemos o fato de que estes demônios não são espíritos condenados a praticar o mal eternamente.

A visão espírita do Diabo está em perfeita comunhão com a definição do mal dada por Santo Agostinho. O mal absoluto não pode ser criação de Deus, porque em assim sendo, Deus não seria eternamente bom nem justo. Para o espiritismo o mal é causado pela ignorância dos homens que não conhecem e nem praticam a busca dos valores espirituais anunciados por Jesus. Para Santo Agostinho, o mal é a corrupção do bem. Em síntese, são uma e a mesma coisa.

Evidentemente que a teoria de Santo Agostinho não para aí e vai em frente, admitindo a existência dos anjos, dos anjos revoltosos e sua queda, com o que o Espiritismo não concorda.

Toda a crença na existência dos anjos, demônios e das penas eternas vai contra toda a existência lógica do próprio Deus.

Colocando este ponto de vista, nos perguntamos então, porque a humanidade o fez tão forte. Seria para enganar e manter o domínio sobre a população? Seria uma guerra de interesses e de poder entre a Igreja e o Estado? A Igreja Católica deve ser condenada por este mal causado à humanidade?

Para todas estas perguntas, só existe uma resposta: NÃO!

Em primeiro devemos entender que o Cristianismo, no início, sofreu muita pressão das religiões existentes. Muitas destas religiões pretendiam explicar tudo, e dava suas explicações, absurdas se consideradas nos dias atuais, mas perfeitamente enquadradas nos moldes intelectuais da época.

Apenas a título de exemplo podemos citar as teorias do Maniqueísmo que defendia, entre outras, a tese da existência de dois deuses: o Deus bom e justo e o Deus do mal (o diabo), justificando a guerra entre o bem e o mal. O próprio Santo Agostinho foi maniqueísta antes de sua conversão ao Cristianismo.

Outra corrente em vigor na época de Santo Agostinho, era a dos Platônicos que combatiam a tese das penas eternas. Segundo eles, todo o mal praticado pelos homens era, na verdade, uma maneira de aprenderem o bem. Diziam que nenhum mal ficaria sem punição, e todo o mal cometido seria corrigido durante a vida através dos castigos e flagelos recebidos. Aqueles males cometidos e não purificados antes da morte, seriam levados pela alma que os purificariam após a morte. Uns iriam para os abismos, outros seriam içados aos ventos e 
outros ficariam queimando em um fogo que não se apagava até que todos os males estivessem purificados. Esta teoria não deixa claro o que ocorre após a purificação, mas sugere a existência de uma espécie de céu.

Pressionado por estas religiões, o Cristianismo deveria também ter uma resposta para tudo, Se não tivesse, ficaria ameaçado de esquecimento porque não teria aceitação junto à população. Afinal, quem se dedicaria a uma Religião que não soubesse explicar os acontecimentos rotineiros do dia – a – dia, quando tantas outras explicavam?

Impossibilitados de alçar vôo mais alto devido à completa ausência de conhecimento e desenvolvimento científico, pressionado pelas exigências culturais e racionais da época, influenciado pelas crenças de outras religiões, o surgimento do Diabo, como sido anjo caído foi a mais racional que puderam entender.

Não podemos deduzir daí que a criação do Diabo e das penas eternas é hoje um bem, ou que estamos aqui defendendo sua existência.

Apenas devemos nos colocar no contexto social de uma época para entender o que esta época realizou.

A existência do Diabo pode até mesmo ser considerada um bem para a humanidade pois serviu de freio para os homens. Se não fosse assim, a violência e a crueldade humana teriam sido muito maiores.

Acreditar nisto, é uma coisa. Acreditar hoje em dia que o Diabo existe do mesmo jeito que se acreditava é um erro, mesmo para uma pessoa não espírita já que os avanços da ciência, por si só, já apagou o fogo eterno do inferno.

Para os Espíritas, o diabo e seus demônios não podem ser vistos senão como a alma dos próprios homens que, ainda endurecidos, praticam toda a sorte de maldades, mas que um dia, cansados do mal, quererão, poderão e alcançarão as mesmas alegrias que desfrutam os 
espíritos superiores, chamados anjos.

Mas nem tudo está perdido para o Diabo. Ainda hoje existem algumas seitas, se assim podemos chamá-las, de adoração ao Diabo. Nas religiões tradicionais, como no Protestantismo e no Catolicismo, o seu poder ainda é muito forte. Mas esses casos representam apenas os últimos redutos, ou os últimos suspiros de uma crença que teve seu valor, mas que está irremediavelmente condenado à superação.

E o Espiritismo foi o golpe fatal. O tempo do Diabo acabou, porque já era pouco, como disse o Evangelista João no Apocalipse, 12,12 “... porque o Diabo desceu até vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo.”

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